segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Violência perto de nós, por Osmar Ludovico da Silva

A notícia do jornal foi lacônica: jovem de dezoito anos assassinado a tiros. Não foi o único homicídio em João Pessoa naquele dia, houve outros quatro.
Só que eu conhecia o jovem de dezoito anos. Compartilhei com ele o Evangelho, o recebi em minha casa e o encaminhei a uma igreja. Bom menino, doce e meigo, mas infelizmente tinha se envolvido com drogas.

No Brasil morrem cerca de 40.000 pessoas assassinadas por ano. A maioria são jovens moradores em grandes centros urbanos, vítimas de uma violência perversa e inconseqüente. Morrem em brigas, acerto de contas, balas perdidas e confrontos com a polícia.

A gente sabe disso, mas fica assustada quando acontece perto da gente. E se pergunta o que está acontecendo.

Deus já não é relevante, e quando aparece na religião tudo dele é acomodado para não ferir a sensibilidade dos adeptos. Não se fala de pecado, de arrependimento, de juízo, de mandamentos e de valores e crenças absolutas. Tudo é diluído para manter o projeto religioso, muitas vezes comandado por estelionatários e adúlteros travestidos de pastores.

Na sociedade civil vemos uma deterioração da família, o casamento já não é mais para toda vida, e as paixões iniciais não resistem ao teste da vida real no quotidiano. Filhos crescem sem os pais, a escola não forma cidadãos. Tudo tem seu preço, tudo está à venda, o valor pessoal está nos símbolos de consumo e de status. A competição é feroz, pois construímos um mundo onde não cabem todos e muitos serão excluídos. O poder público dá mau exemplo, na corrupção e na impunidade.

O cenário internacional também não ajuda. Vivemos uma crise econômica resultante da ganância perniciosa de alguns. A perspectiva é de recessão e desemprego.
Neste cenário nossos jovens perdem-se sem valores, sem esperança, sem ideais. Abrimos os jornais e vemos o noticiário da TV e decididamente as notícias não são boas.

Cheguei arrasado no cemitério. Fui um dos primeiros e o menino estava só na capela, arrumado e florido do jeito que foi possível, pois recebera muitos tiros inclusive no rosto.

Sentei-me ao seu lado. Respirei fundo. Eu sabia que teria que falar algo na hora do sepultamente e fiquei ali orando e vendo as pessoas chegarem. Sua mãe que esteve sempre ao seu lado, seu pai que veio de longe. Alguns amigos, gente jovem estudantes, alguns adultos amigos de seus pais que olhavam assustados para outros jovens, de bermudão camisa colorida, gorro enterrado na cabeça.

Chegou a hora de falar. Outro pastor disse algumas palavras antes de mim. E eu ali pensando que eu vou dizer. Respirei fundo e orei.

E comecei a falar do meu coração a partir da minha própria perplexidade. Dirigi-me especialmente aos pais.

Sim, vamos invocar a Deus porque sem ele não dá para enfrentar esta barra. Mas afinal onde está Deus numa hora destas? Lembrei-me que face à morte Deus chora. Cristo chorou quando seu amigo Lázaro morreu. E chorou no Getsanami angustiado frente a sua própria morte. Lembrei de Deus o Pai e seu coração dilacerado, sem intervir na hora do assassinato de seu filho de trinta anos. Sim, Deus sofre com nossas mortes, se importa e chora. Há lágrimas de lamento e luto no céu.

Quando cheguei naquela capela um sentimento de derrota tomou conta do meu coração. Perdemos, eu disse ao outro pastor. O inimigo ganhou desta vez. Senti uma leve brisa acaricia o meu rosto e diante da sacralidade daquele momento, percebi que Jesus Cristo estava entre nós. E estava. Ele escolheu morrer a nossa morte, se identificar conosco na dor, na tortura e morrer uma morte cruel nas mãos de uma liderança religiosa corrupta e forças militares de ocupação perversas.

Ao morrer ele retorna a vida e ressuscita no terceiro dia. Naquela hora no domingo Deus dá sua resposta definitiva: o mal, a morte, o pecado e o demônio não têm a última palavra. A última palavra é dele, a vida triunfa sobre a morte!
Lembrei-me que aquele menino tinha ouvido o Evangelho e dava sinais de mudança em sua vida. E que certamente o Senhor teria misericórdia dele e o ressuscitará no último dia para vida eterna com ele.

Fechamos o caixão e fomos em procissão seguindo um carro funerário até o local do sepultamento. Naquele momento fui renovando minha esperança.
Sepultamos o menino. E eu voltei para casa sentindo dores no corpo como se tivesse levado uma surra. E no fundo do meu coração fazendo um voto de continuar lutando pelo respeito à vida, envolvendo-me em ações que minimizem o mal e promovam os valores do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.

domingo, 7 de novembro de 2010

A pobreza de Jesus Cristo, por Osmar Ludovico da Silva

Ele nasceu numa estrebaria de uma aldeia obscura, na periferia do império romano. Era filho de gente muito humilde e seu berço foi um caixote que se usava para dar de comer aos animais. Quando seus pais o apresentaram a Deus no Templo de Jerusalém, sua oferta se reduziu a duas pombinhas, oferta estipulada pela lei mosaica em tais ocasiões para pessoas sem recursos. Com seus pais, deixou seu lar e viveu como refugiado em terra estrangeira por causa de um decreto imperial que mandava matar todas as crianças com menos de três anos.

Ele foi criado em outra aldeia na casa de um carpinteiro e, quando adulto, chegou a afirmar que não tinha onde recostar a cabeça. Quando completou trinta anos tornou-se um pregador itinerante viajando pelo país com seus doze discípulos. Foi, então, falsamente acusado e inocentemente condenado. Seus amigos o abandonaram. Depois de torturado, foi crucificado entre dois ladrões. Quando morreu, aos trinta e três anos, foi sepultado em um túmulo que um amigo bondoso emprestou.

Jesus Cristo foi pobre, mas sua pobreza foi algo que ele assumiu voluntariamente, movido pelo seu amor. Ele era rico, mas fez-se pobre, numa expressão concreta de sua identificação com a humanidade.

É tempo dos cristãos dos grandes centros urbanos se arrependerem de usar Deus para satisfazerem sua ambição material. E aprenderem a viver com simplicidade e generosidade, ajudando aqueles que não têm para a subsistência diária.

Ouvimos muita gente dando testemunho que tinham um carro velho e agora tem dois novos, tinham uma casa pequena e agora tem duas grandes, que ganhavam um tanto, mas agora ganham três vezes mais. Aceitaram a Cristo, aderiram a tal igreja e prosperaram materialmente. Nunca ouvi alguém dando testemunho que se converteu e decidiu dar uma parte de seus bens para os pobres e para missões.

Cristãos urbanos de classe média estão imersos numa estrutura consumista, alienados da realidade do sofrimento de milhares de brasileiros. Pensam em si e no que é seu e confundem Deus o Pai de Jesus Cristo com Mamon, o deus dinheiro, o pai de todos os males (I Tm 6.10). Mamon é uma potestade, promete paz, tranqüilidade, vida feliz e alegria e, portanto, compete com Deus. Muitos acham que estão confiando em Deus, mas, no entanto, confiam em Mamon (Mt 6.24).

A sociedade de consumo nos condiciona e nos leva a desejar possuir cada vez mais coisas, convencendo-nos que tendo mais seremos mais. Um mundo que pensa e age somente em termos materiais acabou contaminando o povo de Deus. E igrejas anunciam conforto material ilimitado para aqueles que aderirem e trouxerem sua contribuição.

Acabamos todos preocupados com a vida material, amarrados em contas, crediários, consumo de supérfluos, símbolos de status, dominados pela ambição de ter mais, sempre insatisfeitos.

Jesus Cristo na sua pobreza voluntária nos liberta dos condicionamentos da sociedade de consumo, e nos torna dispostos a confiar a ele toda a nossa vida, dons, talentos, recursos e tempo para servir com alegria o nosso próximo.

O verdadeiro conhecimento de Deus gera santidade e serviço, e o verdadeiro conhecimento de si gera quebrantamento e humildade.

Estas são as virtudes que a Igreja mais carece nestes dias: santidade, serviço, quebrantamento e humildade. Portanto, tenhamos discernimento, pois há outra teologia por ai que ao invés de santidade gera negócios escusos, ao invés de serviço gera egoísmo, ao invés de quebrantamento gera farisaísmo, ao invés de humildade gera busca pelo poder.

Olhemos por um momento para a vida de Jesus de Nazaré em quem cremos. Ele abriu mão de seus direitos e privilégios, esvaziou-se de sua divindade, por amor a nós fez-se homem, veio para servir e não para ser servido.

Não há nada de errado em buscar as bênçãos de Deus e uma vida material digna. Errado é acumular sem repartir. Sodoma e Gomorra, contrariamente ao que muita gente pensa, não foram destruídas pela sua promiscuidade sexual, mas sim por que acumularam riquezas e não repartiram: “Eis que esta foi a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: soberba, fartura de pão e próspera tranqüilidade teve ela e suas filhas, mas nunca amparou o pobre e necessitado”. Ez 16.49

Que o Senhor tenha misericórdia de nós, que o Senhor tenha misericórdia de sua Igreja, que o Senhor tenha misericórdia do Brasil.