sexta-feira, 14 de maio de 2010

Espiritualidade e terapia comunitária

Nestes anos em que venho participando da Terapia Comunitária, já como curioso ou então como colaborador em distintos trabalhos, tenho tido a oportunidade de observar que a conexão entre espiritualidade e Terapia Comunitária é intensa e profunda.

As rodas de Terapia Comunitária concluem com rituais de integração. São momentos de comunhão como sagrado, de reforço de laços solidários. São momentos em que revive a religiosidade adormecida. As pessoas se abraçam, formam-se rodas, cantam-se hinos religiosos, abençoam-se uns aos outros, incluindo os ausentes. Mas não quero me referir aqui somente a manifestações explícitas de religiosidade, e sim, pontuar o que me parece ainda mais importante, que é como, a partir da prática da terapia comunitária, da redescoberta de si mesmo e da sua inserção num todo maior, praticam-se a fraternidade, o amor de uns pelos outros, o amor a si mesmo, o respeito e a reverência à vida nas suas distintas manifestações, na sua misteriosa inextinguibilidade.

Quando as pessoas apreendem a se escutar com atenção e respeito, e ao ouvir o outro percebo que ele e eu somos semelhantes, passamos por sofrimentos parecidos ou situações também parecidas, surge uma empatia. Eu e o outro não somos tão diferentes. Ela ou ele, e eu, temos muito em comum. Eu ajudo e sou ajudado. As redes, a teia de aranha, não são símbolos sem significado, mas realidades concretas.

Quando, na finalização da roda de Terapia, nos abraçamos uns aos outros, é porque juntos descobrimos uma força maior, uma que estava adormecida ou esquecida, como dissemos, e que foi revivida em poucos minutos.

Quando a Terapia Comunitária chegou aos Ambulantes, em 2004, na sala da Associação dos Moradores do Bairro onde se iniciaram os trabalhos, estava escrito numa louça: Juntos podemos vencer todos os problemas. Não poderia ser mais significativo. O reencontro da força coletiva, a recuperação da fé em si e na comunidade como ator social concreto, efetivo, no empoderamento das pessoas e na revitalização dos seus laços de pertencimento ao tempo e à vida, à sociedade e ao mundo atual, é profundamente religioso, nos sentido original do termo.

Alguns alunos tem pesquisado explicitamente a influência ou presença da fé nas rodas de terapia no Rio Grande do Norte. Outros, tem levantado, em entrevista com profissionais da saúde formados em Pedras de Fogo, Paraíba, a autoconsciência do renascimento que se processa na pessoa no processo de formação em Terapia Comunitária.

Ainda, no México, no Uruguay, e na Venezuela, tenho observado a confluência de tradições místicas da humanidade, entre as pessoas na ENEO-UNAM, na Facultad de Enfermería de la Universidad de la República (UDELAR), e na Universidad de Crarabobo.

O clima de alegria, a sensação de as pessoas serem vencedoras, o sentirem-se parte de uma força ativa de saração, é profundamente espiritual. Pessoas tem visto cor violeta (Uruguay), após uma sensiblização realizada, na qual, no final, cantou-se o Ave Maria. No México, um reviver da tradição asteca e tolteca, na visita às pirâmides de Cholula e Teotihuacán. Na Venezuela, um eclodir da alegria espontânea e gratuita que se expressam na dança e na piada, no mútuo se alegrar com a companhia dos promotores da vida, dos parteiros da esperança.

Não estamos falando apenas –embora também—das formas de religiosidade explícita, mas, sobre tudo, de vivências do sagrado. Nas Ocas do Índio em Beberibe-CE, nos encontros de formadores ou nas vivências durante a formação como terapeutas comunitários, temos vivenciado em nós e no grupo, estas sensações de pertencimento, de uma calma que supera a compreensão, uma sensação de paz, um estado de inexprimível unidade.

Já não importa o cargo ou a profissão, o papel social da pessoa ou a sua educação (grau de escolaridade), mas entre todos se criam laços de união duradouros que perpassam o tempo e as distâncias. É isto.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Carta aberta à Convenção Batista Paraibana, por Luciano Batista

Prezados/as irmãos/as...

Nestas ultimas semanas venho recebendo alguns e-mails, onde seus autores vêm demonstrando preocupação com a saúde espiritual da caminhada eclesiástica batista em nosso Estado. Tenho entendido e, portanto, esta é a leitura que faço, a convenção sofre uma crise de liderança, identidade e “amnésia doutrinária” onde as pessoas que conduzem a CBP-Convenção Batista Paraibana desejam resgatar o significado do “cristão batista” recorrendo a subterfúgios--determinados princípios que segundo eles, por serem históricos--, devem permanecer firmes na caminhada de todas as igrejas batistas presentes a esta convenção. A questão é que os atuais líderes desconhecem aqueles que (de fato) são os principais (e históricos) princípios batistas, dos quais cito aqui alguns para sua recordação e (quem sabe) dos demais “colegas de ministério”:

Primeiro, a Igreja é essencialmente separada do Estado, muito embora, alguns pastores não tenham qualquer dificuldade de promoverem-se e angariar votos em troca de determinados favores. Almoços, jantares, encontros ... com que intenção ambos (políticos e pastores) se reúnem? Para saborear as iguarias do rei? Lembro-me do profeta que ao ser convidado para participar da mesa e saborear as manjares de Nabucodonosor, simplesmente recusou. Transcrevo aqui o texto bíblico: E Daniel propôs no seu coração não se contaminar com a porção das iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia; portanto pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não se contaminar. Dn. 1:8. A decisão do profeta foi drástica, como pode alguém recusar sentar à mesa do imperador? Certamente não foi o medo de morrer envenenado, a questão é que sentar à mesa naquele contexto significava submissão e lealdade ao dono da mesa, aquele que destruiu Jerusalém, além é claro, de compactuar com sua política interna e externa de conquista e subjugação das nações.

Um segundo principio de extrema importância fala sobre a liberdade, tema esse difícil, complexo, mas, necessário! A liberdade do indivíduo para ler e interpretar as Escrituras, guiado pelo espírito de Deus na família da fé, em diálogo com a compreensão histórica da igreja e os métodos acadêmicos contemporâneos de investigação do texto bíblico. Bem, ele pode não estar literalmente desta forma nos anais, mas, certamente os senhores que fazem a convenção batista paraibana lembram da expressão teológica “livre-arbítrio”! Pois é exatamente sobre isto que versa este principio. Como já afirmei, essa coisa de dar liberdade para os outros é complicado, o sujeito começa a pensar numa teologia contextual, começa a pregar uma mensagem chamando os cristãos para uma vida de militância em prol do estabelecimento do Reino de Deus centrado na justiça, igualdade, diretos humanos, etc; e aí, sai do “padrão de homem de Deus” pois passa a ser visto como o arruaceiro, o sem princípios, o deselegante, o desviado, o sem noção, o “fora da lei”, o liberal na teologia, etc, etc. O texto bíblico é assertivo: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão. Gl.5:1.

Não desejo aqui fazer uma exegese do versículo, o que seria um erro, não se faz exegese de versículo e, sim, do texto inteiro, uma vez que a divisão de versículos e capitulo é bem posterior à escrita do texto sagrado (os calvinistas comentem tal equivoco constantemente).

Contudo, tendo em vista que a palavra chave desta epístola é liberdade, diria que a liberdade referida no texto diz respeito à libertação da lei veterotestamentária que exigia a observação (legalista) rigorosa, coisas da religião! Alias, a religião é assim, ela tenta o tempo todo aprisionar seu fieis em seu “espaço sagrado”, quando deveriam celebrar a diversidade, promover a oportunidade de relacionamentos dentro e fora deste “espaço sagrado”, reconhecer a dinamicidade da vida, viabilizar vivencias com o diferente sem medo de correr o risco de perder os fieis para outros pastos...

Que pastor em sã consciência permitiria suas ovelhas viverem suas respectivas vidas com tal projeto de liberdade? Conheço alguns poucos, dos quais nenhum deles fazem parte da presente liderança batista na Paraíba. Nunca consegui entender o porquê do medo da liberdade, o senhor ou o atual presidente da CBP ou mesmo o presidente da ordem dos pastores poderia me ajudar? Às vezes penso que se faz uma confusão entre liberdade e inconstância. Um amigo pessoal certa vez me disse que uma Humanidade livre é uma humanidade que se deixa interpelar por todas as pessoas que não lhe oferecem nenhum interesse, nenhum valor, que não oferecem nenhum poder novo, nenhuma garantia, mas apenas riscos e ameaças de perturbação. A partir dessa prática iniciada por Jesus, o Espírito inventou e suscitou uma história de liberdade da qual conhecemos apenas a aurora e que será o tecido do desenvolvimento do reino de Deus neste mundo.

Um último princípio que me vem à memória é o do desapego às coisas materiais, aos status eclesiásticos e aos privilégios oferecidos por políticos (corrompidos ou não) e pela sociedade em geral. Alguém pode me perguntar: de onde você tirou isto? Que livro registrou tal princípio? Quem criou ou que pastor batista dentro da “nossa historia” falou sobre este principio? Parto do pressuposto de que todos os princípios não apenas batistas, mas, cristãos em geral são baseados ou pretensamente baseados nos textos bíblicos. A atual crise que passam os batistas paraibanos diz respeito, em meu entendimento, a uma questão chave: independência ou manutenção de privilégios? Aqui, realmente não posso me estender muito! Sou alguém que vê as coisas como quem está de fora. No entanto, varias contradições são viscerais! Batistas e não batistas reconhecem perfeitamente que “nossas” crises extrapolaram os muros da denominação. A caçada aos pastores infiéis e as igrejas que não enviam o famoso “plano cooperativo”, a condenação aberta sem quaisquer respeito e escrúpulos a pastores idôneos que fizeram e fazem historia desde o sertão, a exclusão de igrejas inteiras do rol dos “verdadeiros batistas”, a manutenção ou troca articulada de pastores que “amam” a denominação e querem o melhor para a mesma, em cargos importantes... e o pior, um retorno em pleno século XXI a uma postura fundamentalista ou “melhor” xiita no que diz respeito a moral, espiritualidade e interpretação da bíblia é o próprio prenuncio do TELOS da comunhão Batista Paraibana!
Asseguro-lhe que minha labuta por uma espiritualidade peregrina e perambulante se manterá independente da crise ou das crises da convenção.

Asseguro-lhe de todo o meu coração que permanecerei firme na caminhada da fé, de maneira livre/liberta do julgo da lei denominacional imposta dia-a-dia por aqueles que, desconhecendo a historia e os princípios batistas, imprimem nas atas, palavras de ordem contra a liberdade de expressão, princípio singular não apenas dos batistas, mas, do mundo inteiro!

Asseguro-lhe sensatamente que continuarei na periferia, nos guetos, nos buracos da existencialidade, nas vilas, nos mocambos ainda existentes, muito embora, desconhecidos por parte daqueles que preocupados com a manutenção de seus status e posição eclesiástica, esquecem dos explorados e excluídos.
Asseguro-lhe que permanecerei “pastor” apesar de todas as minhas limitações, pecados, deslizes, mesmo sem um púlpito. Aliás, é um erro achar que pastor é aquele que está pastoreando uma determinada igreja/templo. Wesley já havia ensinado: minha paróquia é o mundo! E aqui na UFPB é um enorme campo missionário onde milhares de oportunidades me são dadas pelo Criador para despertar e desalienar cristãos evangélicos que enganados pela pregação da teologia da prosperidade, entram em crise quando a “bênção não vem”. Por outro lado, é um enorme desafio tentar revelar/falar acerca de Deus para os que querendo crer, duvidam! Ai, só me resta tentar viver o evangelho e silenciar.

Asseguro-lhe que continuarei firme na caminhada aberta, desimpedida, livre, simples, centrada no amor e no dialogo... que aprendi com irmãos de outras denominações, igrejas e religiões. É impressionante como me respeitam como pastor! Suas vidas me tocam profundamente! Pessoas transparentes, saradas da/na alma, cristãs sinceras, amantes da vida, abertas para o próximo, pessoas caminhantes... vivem uma comunhão da/na qual jamais presenciei em qualquer igreja batista, e olha, que sou pastor batista.

Há ainda algumas coisas que também EU NÃO ENTENDO, por exemplo:

Não entendo como alguém pode passar tantos anos num cargo “vitalício” privatizando-o e desta maneira, excluindo outros e outras de crescerem dentro da denominação e conseqüentemente aprender a valorizá-las. Será “cargo de confiança”? Se for então isso significa que alguns poucos pastores são “capacitados” e “fieis” para exercerem tal função!

Não entendo por que ocorrem articulações para que pessoas/pastores ligadas ao “meu grupo” precisa se manter no “poder” para que a vaca não vá para o brejo!

Não entendo o porquê de permitimos o legalismo e falso moralismo continuarem permeando as relações batistas quando inúmeros textos bíblicos nos revelam Jesus Cristo combatendo a hipocrisia dos lideres religiosos de sua época!

Não entendo porque obreiros do sertão ganham “esmolas missionárias” quando pastores da capital têm salários inescrupulosos.

Não entendo o como “homens de deuses” podem agir tão sem misericórdia para com “homens de Deus”, expondo-os e excluindo-os do “livro da vida batista”, suas palavras são quase divinas! Agem em nome de Deus, mas seus corações não estão no altar pois um coração que esta no altar é um coração quebrantado!

Não entendo porque pastores precisam agir rispidamente com colegas e ovelhas nas assembléias tentando silenciá-los e silenciá-las a fim de “manter a ordem”.

Há também coisas que entendo e gostaria de partilhar:

Eu entendo o porque pastores não aceitarem a soberania de Deus! O fato é que a soberania de Deus é uma coisa e a soberania dos lideres da religião é outra bem diferente e por vezes diverge da vontade soberana de Deus. Entre a soberania de Deus e a dos lideres da religião, preciso a Divina.

Também entendo que Deus usa os simples a fim de engrandecer seu nome, foi assim com Madre Tereza de Calcutá, Mahatma Gandhi, Jeremias, Isaias, Francisco de Assis, João XXIII, Martin Luther King, as Beguinas do século XII... O problema é que alguns querem aparecer a todo custo. Esquecem da exortação bíblica: “é necessário que Ele (Jesus) cresça e que eu diminua”. João 3:30.

Também entendo que neste mundo todos deveríamos ser mordomos de todos, inclua-se nossa casa comum, o planeta terra. Lamentavelmente o capitalismo desenfreado que aí está e que adentrou nas religiões, suprime este cuidado e nos faz enxergar apenas do que é nosso.

Diante de tudo isso, tenho dois simples conselhos, são tão simples que podem ser considerados simplórios. Primeiro, já que várias igrejas foram afastadas da CBP sugiro que as mesmas procurem se filiar a “Aliança Batista” cuja página na internet é a seguinte: http://www.aliancadebatistas.com.br E, segundo, meditemos nas palavras de Agostinho e deixemos nossas consciências livremente (sem os dogmas que aprisionam) serem cativas e transformadas pelos sábios conselhos de um velho mestre...

"Se você acredita no que lhe agrada nos evangelhos e rejeita o que não gosta, não é nos evangelhos que você crê, mas em você."

"A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las".

"Ama, e faça o que quiseres."

"Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me adulam, porque me corrompem".

“A medida do amor é amar sem medida”

Fraternalmente,

Luciano Batista (pastor sem igreja, mas não sem rebanho, e educador popular)